• Pílula Vermelha 5 – Quem é o judiciário?

    Baixe aqui a versão para celular (3 MB): Pílula Vermelha 5 – Quem é o judiciário?

    O judiciário, antes de mais nada, é esse povo que recebe acima do teto de trinta mil reais e fez greve, para preservar um “auxílio moradia” imoral, em vez de mostrar dignidade humana e se juntar aos protestos contra a execução de Marielle Franco.

    juizes que recebem acima do teto
    Fonte: Nexo Jornal

    Esse povo que sabe que a prisão em segunda instância não vai passar, se for votado o caso geral, mas julga o caso de Lula antes, para poder o condenar.

    Esse povo.

    Você fala como se todo rico fosse uma pessoa horrível…

    Quase isso, rs. Não é que eles sejam horríveis, mas que a riqueza, em um ambiente de segregação como o Brasil, onde as pessoas vivem em partes diferentes da cidade, em cidades diferentes, estudam em escolas diferentes, não vêm o povo nunca na vida… Essa distância alimenta uma falta de empatia monstruosa. Não que eles sejam horríveis, mas são ricos há tantas gerações que estão acostumados a serem servidos, a serem mais importantes sem ter feito nada para isso, desde a época em que escravizavam pessoas.

    Pelo menos o judiciário é mais honesto que os políticos

    Quanta inocência… Vários membros do judiciário foram pegos com a boca na botija, de Demóstenes Torres, que mesmo condenado, vai poder concorrer, porque a Ficha Limpa não vale para procurador, ao primo de Aécio, que vendia habeas corpus para traficantes de drogas. Achar que existe uma separação clara entre juízes e políticos é tão ingênuo quanto pensar que existe uma separação entre políticos e empresários.

    O judiciário está só consertando o país.

    Existe uma coisa, tem só mais de dois séculos chamada divisão dos poderes. Um poder não pode passar por cima do outro, porque vai fazer merda. ‘preciso que os vários órgãos de governo estejam o tempo todo vigiados pelos outros órgãos, para andarem na linha. Nem os militares, nem os juízes, nem os políticos vão se comportar sem cobrança. Mas quem vigia os vigilantes? quem investiga e julga o judiciário? Criar um sistema em que o judiciário vigia todo mundo e ninguém vigia o judiciário não é consertar o país, é alimentar o atraso.

    Corrupção é corrupção. Tem que ser punida onde estiver.

    Não podemos concordar mais. Mas então, por que os juízes são tão brandos com pessoas como Alckmin, envolvido no Cartel do Metrô, Azeredo e Aécio, na Lista de Furnas, Temer, emaranhado a corrupção do Porto de Santos… A lista é longa. justiça seletiva não é justiça. Estamos assistindo há alguns anos operações judiciais que não buscam justiça, mas enfraquecer e fortalece partidos. E o que é pior, passando por cima da lei.

    Por cima da lei?

    A Lava Jato tem usado delações premiadas para condenar pessoas, mas a lei exige que o delator apresente provas das suas delações, o que muitas vezes não acontece. Tem abusado de prisão provisória, prendendo pessoas por meses, sem acusação, para só então as ouvir. Tem exigido prova de inocência dos réus, em vez de provar a culpa, através do uso do domínio do fato. No caso de Lula a situação chegou ao absurdo de ele ser acusado de crimes diferentes em cada momento do processo: foi acusado de receber vantagem da OAS por três contratos com a Petrobrás, mas condenado em primeira instância por solicitar vantagem por contratos genéricos e em segunda instância por comandar um “caixa geral” de propinas.

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  • Pílula Vermelha 4 – O que é uma política de segurança pública que respeita os direitos humanos?

    Baixe aqui a versão para celular (4,5 MB) Pílula Vermelha 4 – O que é um a política de segurança pública que respeita dos direitos humanos?

    Reclama da polícia todo dia e agora vem dizer que precisa dela?

    A polícia precisa existir, mas isso não quer dizer que precisa ser como é hoje: violenta, corrupta, corporativista, racista e vários outros defeitos. As críticas que os comunistas fazem à polícia não quer dizer que a gente não saiba que impossível uma sociedade funcionar sem ela. A polícia precisa existir, ser bem treinada, paga e equipada, mas precisa também se integrar à comunidade, tratar os cidadãos, todos eles, como portadores de direitos, ter fiscalização independente de corregedorias, etc.

    E a mesma coisa pras prisões, que fala tanto mal?

    Exatamente! Ninguém discute que pessoas perigosas, que cometeram crimes contra a vida, precisam ser afastadas da sociedade pela segurança de todos, mas estes são a minoria das pessoas presas. A maior parte dos presos no Brasil sequer foi julgada ainda, e pode até ser inocente. Quase todos são pequenos traficantes ou pessoas que cometeram furto ou roubo. A política atual de prender todo mundo só ajuda o crime organizado, porque é nas prisões que as facções criminosas recrutam membros. Investir em penas alternativas como serviço comunitário para os crime leves é essencial para reduzir o gasto com o sistema penitenciário e poder investir na ressocialização destas pessoas.

    Joãozinho sempre foi pobre e nunca cometeu crime. Crime é falha de caráter.

    Só que o caráter não nasce pronto com a pessoa nem cai do céu acabado. O caráter se forma ao longo da vida, e pode mudar. Para formar o caráter que a gente tem família, igreja, escola, trabalho, time de futebol, partido, e etc. Se não funcionar, quem vai ter que tentar consertar a “falha de caráter” é a prisão. O problema é se em vez de tentar ressocializar, a prisão for uma filial do inferno, porque não há caráter que melhore assim.

    O problema da pobreza é exatamente que ela impede que as pessoas tenham ambientes saudáveis onde possam formar seu caráter. Famílias desestruturadas, comunidades violentas, educação de baixa qualidade e ainda por cima valores invertidos que dizem que para você se sentir bem precisa comprar os artigos de marcas caras. Junte isso à desigualdade, a ver, logo ali no outro bairro, algumas poucas pessoas tendo tudo que não se pode ter, e temos a receita perfeita para incentivar o crime.

    Prisão não é colônia de férias. É pra ser ruim mesmo.

    Sendo muito pragmático, olhando os resultados que a gente consegue com cada política, fazer das prisões lugares ruins nos deu de presente as facções criminosas. Estamos a décadas aumentando a violência do Estado, matando e prendendo gente para aumentar a segurança e a situação só piora. O ponto central da Segurança Pública não é debater valores ou princípios, mas salvar vidas, e a experiência nos mostra que o caminho para isso são os direitos humanos.

     

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  • Pílula Vermelha 3 – O capitalismo deu certo?

    Baixe aqui a versão para celular (3 MB) Pílula Vermelha 3 – O capitalismo deu certo?

    Mas a gente vive no capitalismo.

    Com certeza a gente vive nele. Só não tem que gostar disso.O que faz do ser humano diferente e especial é exatamente que a gente pode mudar o mundo em que vivemos. O capitalismo não existe desde sempre, mas foi criado em um dado memento. Assim como surgiu, pode desaparecer.

    Mas o capitalismo até hoje não caiu e o comunismo caiu!

    China mandou lembranças com o crescimento absurdo da economia, aumento da complexidade da economia, redução imensa da pobreza e melhoria das condições de vida das pessoas. A experiência da União Soviética acabou por vários motivos, mas isso não quer dizer que o comunismo caiu. China, Vietnã, Laos e Cuba são exemplos de nações socialistas. Nenhuma dessas alcançou o comunismo ainda, mas estão em processo de transição. São tentativas de mudar a situação em que vivemos.

    A Escandinávia é desenvolvida por causa do capitalismo. A Fundação Heritage…

    O Banco Mundial, que é o Banco Mundial admitiu que falsificou estatísticas para prejudicar o governo do Chile, porque Michelle Bachelet, uma socialista, ganhou a presidência. Essa fundação não é realmente isenta, mas um instituto com uma agenda política. ele possui várias falhas conceituais metodológicas.

    Mas estes argumentos são cortinas de fumaça. Servem para evitar responder a pergunta do vídeo.

    O fato de vivermos sob o capitalismo faz com que muita gente considere esse sistema “natural”, e não questiona se ele está dando certo, mas estas mesmas pessoas acusam tentativas de corrigir as inúmeras falhas desse sistema de estarem condenadas ao fracasso.

    A desigualdade social no Brasil apenas cresce, os capitalistas nacionais patrocinaram o golpe, a destruição da CLT e defendem hoje a destruição da previdência. Os salários estão em queda, o desemprego em alta e atravessamos a maior recessão da história. Com certeza, não podemos considerar isso “dar certo”

     

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  • As Reservas Internacionais e o Imperialismo

    Quando a gente ouve que o Brasil tem aproximadamente 350 bilhões de dólares em reservas internacionais, o equivalente a mais de 15% do PIB, a primeira pergunta a fazer deveria ser “e por que não usamos esse dinheiro para investir no Brasil, ou pagar uma boa parte da dívida pública, reduzindo o gasto com juros e ajudando o a liberar recursos para investimentos públicos?” Afinal, se um país acumula riqueza exportando mais do que importa, o mais lógico é investir essa riqueza no país, e não usá-la para comprar dívida dos EUA, enquanto sofre de falta de investimento. A própria noção de precisar ter “reservas internacionais” deveria ser alienígena e ilógica.

    A explicação, como em muitos outros casos, é o imperialismo, e começamos a compreender o papel das reservas internacionais ao nos perguntarmos sobre sua utilidade prática: proteger os países de especuladores do mercado financeiro.

    Um exemplo clássico do imperialismo são as guerras do ópio, em que o Reino Unido obrigou a China a comprar ópio para equilibrar a balança de pagamentos britânica, que estava sendo drenada pelo grande déficit comercial com a China. As reservas internacionais são o ópio da nossa geração, uma maneira de os países de periferia que exportam para o centro imperialista serem obrigados a devolver o dinheiro que ganharam, em vez de usá-lo para se desenvolver.

    Se para obrigar a China a comprar ópio, a um custo humano gigantesco, o Reino Unido precisou de soldados, hoje os EUA precisam de especuladores que obriguem os países a comprar títulos da dívida estadunidense para financiar o déficit infinanciável dos EUA, prendendo os países na pobreza a um custo humano enorme. Esses especuladores veem os países como alvos potenciais para especulações em torno do valor da sua moeda local. Ao apostar na desvalorização exigem que esses países aumentem seus juros e vendam suas reservas para garantir a estabilidade da economia. Caso esses países tenham poucas reservas, eles quebram, a sua moeda se desvaloriza causando uma crise inflacionária e os especuladores que apostaram na desvalorização da moeda ganham muito dinheiro. Esta estratégia foi executada à exaustão durante a crise dos Tigres Asiáticos de 1997 quando investidores decidiram que os países tinham crescido demais sem aumentar suas reservas internacionais o suficiente, os tornando alvos fáceis.

    As reservas internacionais são um dos principais mecanismos de reciclar os dólares de volta para os Estados Unidos, garantindo que o país possa funcionar. Assim como o dinheiro que se paga à máfia pela ‘proteção’, contra ela mesma, que ela vende. Ou, usando outra analogia, o dinheiro que você paga ao seu sequestrador para não ser sequestrado.

    Claro, como os especuladores não são agentes do governo imperialista, apenas protegidos por ele, em teoria não são os Estados Unidos chantageando o mundo, mas apenas a ‘mão invisível do mercado’ cumprindo seu papel de proteger o centro imperialista.

    Através da reciclagem de dólares o sistema imperialista garante que mesmo que um país ganhe dinheiro no mercado internacional, ele possa usar apenas uma fração desse dinheiro em seu próprio desenvolvimento. A única maneira de escapar é controlar a atividade especulativa ou sair completamente do mercado financeiro internacional, o que por si produz uma crise de grandes proporções.

    A estratégia funciona tanto melhor quanto mais o fluxo de capitais for livre, e por isso as instituições internacionais, como FMI, OMC e Banco Mundial exigem que os países apliquem as reformas neoliberais que os tornam vulneráveis à especulação e mais dependentes destes mesmos órgãos.

    Ou seja, a criação de instrumentos de controle de capitais é uma medida necessária para proteger o país da exploração imperialista, do sequestro que sua riqueza sofre, por mais que a sua implantação leve os especuladores a retaliar e tentar causar o caos.

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  • A falsa contradição entre reforma e revolução

    Curiosamente, o debate entre reforma e revolução é um debate importante no Brasil, onde alguns grupos comunistas rejeitam a luta eleitoral argumentando sobre a sua incapacidade de produzir transformações profundas do sistema econômico, enquanto outros grupos apontam a impossibilidade de acumulação de forças para uma revolução clássica em uma sociedade altamente ocidentalizada. Como todos os problemas que precisam de uma solução dialética, ambos os lados estão certos, mas também errados.

    Antes de continuar é importante definir alguns termos para reduzir os mal entendidos. Socialistas e comunistas entendem ser preciso superar o capitalismo, e a diferença entre abordagens revolucionária ou reformista diz respeito somente aos meios de alcançar o socialismo. Este texto não é sobre social-democratas, também chamados de reformistas, que entendem que não é preciso superar o capitalismo, mas somente o controlar e regular, via políticas sociais.

    O argumento a favor da luta eleitoral e da participação no estado tem várias origens e antecedentes, mas hoje em dia uma toma normalmente a forma do da necessidade de combater a hegemonia ideológica do capitalismo, no sentido gramsciano, para criar condições subjetivas para a revolução. Para Gramsci, as sociedades ocidentais estariam muito presas à ideologia capitalista para aceitar uma revolução como legítima, e essa posição é normalmente considerada verdadeira, inclusive por quem defende a luta revolucionária. O debate gira em torno de quais seriam as melhores estratégias de realizar a luta ideológica contra hegemônica: revolucionários defendendo organizações de base e ação política, mas não eleitoral, e reformistas defendem o uso das eleições e a administração do estado.

    Porém, assim como Gramsci faz suas reflexões à luz da derrota dos comunistas italianos, temos elementos o bastante para refletir à luz das experiências e limites de reformas em vários países do mundo. Vamos usar os casos de Bolívia, Brasil, Venezuela, e Nicarágua para refletir sobre o tema. Todos esses países foram membros da chamada “onda rosa” da América Latina, em que governos de esquerda conseguiram acesso aos governos centrais de vários países, implantando políticas sociais e mudando profundamente os países. E todos eles enfrentaram grandes crises políticas que tentaram pôr fim a estes governos, com sucesso, nos casos do Brasil e Bolívia.

    Ou seja, os revolucionários estão mais que certos quando apontam que existe um limite claro e violento para a estratégia reformista. As forças reacionárias de oposição a estes governos de esquerda promoveram o golpe policial-miliar na Bolívia, o golpe parlamentar no Brasil, a agitação e tentativas de sabotagem do governo na Venezuela e a tentava de revolução colorida na Nicarágua.

    Este texto, propositalmente, não discute se as experiências venezuelana e nicaraguense são, de fato socialistas, ou se suas lideranças agiram bem ou mal. O objetivo é discutir somente as estratégias de resistência às reações conservadoras.

    Na Bolívia e no Brasil, após os golpes, os governos reacionários foram derrotados eleitoralmente, com a vitória de Lula e Arce, em um desenvolvimento alinhado com os princípios da democracia liberal e que, até certo ponto, restaurou a situação anterior de um governo reformista à espera de uma nova investida reacionária. Na Venezuela e Nicarágua, por outro lado, tivemos governos que resistiram às intentonas reacionárias e consolidaram seu poder, sendo por isso considerados ditaduras pela comunidade internacional e sofrendo vários tipos de sanções.

    Essa consolidação do poder foi usada pelos governos para implantar reformas mais profundas, como a diversificação da economia venezuelana, tentada por décadas no seu período “democrático”, sempre sem sucesso, ou o uso de fundos públicos e estatais para nacionalizar e estatizar setores estratégicos da economia na Nicarágua, o que é denunciado como “corrupção”.

    A grande questão que se coloca é: o que diferencia Venezuela e Nicarágua e Brasil e Bolívia? Qual elemento estrutural explica o governo extremamente popular do MAS ser vítima de um golpe e o governo da Nicarágua, criticado até por partes significativas da esquerda internacional, se sustentar?

    “Poder político cresce do cano de uma arma” – Mao Zedong

    Nas crises, o movimento bolivariano se sustenta no exército, a FSLN na Polícia Nacional, criada durante o período sandinista, em contraponto ao exército. O Estado é o órgão que possui o monopólio da violência legítima e seus braços armados podem se mobilizar para derrubar governos, como ocorreu na Bolívia, com o golpe policial/militar ou no Brasil, com a Polícia Federal sabotando o governo através da Lava Jato e o exército impedindo a atuação política de Lula para impedir o golpe. Ou podem apoiar estado de golpes mobilizadas a partir da sociedade civil.

    O problema da social-democracia é ilusão de que vivemos em uma democracia, e não em uma ditadura da burguesia, que só tolera a democracia se for ela a ganhar. Isso abre um flanco de ataque impossível de fechar, porque diante de taxas de lucro decrescentes, a burguesia sempre vai apelar à violência.

    Isso quer dizer que socialistas e comunistas podem defender e implementar reformas como parte de uma estratégia revolucionária, desde que tenham consciência de que estão jogando no campo adversário, e desenvolvam políticas para garantir que o monopólio da força não seja usado contra o próprio governo. Não é possível esquecer que o estado burguês e a democracia burguesa são instrumentos de poder da burguesia, que ela vai acionar para garantir seus interesses.

    Neutralizar o caráter de classe dos aparatos de força do estado, e/ou construir aparatos de força autônomos dos trabalhadores é parte essencial de qualquer estratégia socialista que inclua a reforma entre suas táticas.

  • Lênin não seria um tiktoker: a relação da esquerda revolucionária com as mídias sociais

    Existe uma grande discussão em torno da contribuição que a militância online, nas suas mais variadas formas, pode trazer para a esquerda, e este texto não deixa de ser uma crítica, mas se quer uma crítica fraterna e respeitosa, feita por quem admira a maior parte dos produtores de conteúdo de esquerda.

    A produção de conteúdo para o YouTube ou Twitch gerou uma oportunidade curiosa, e até mesmo contraditória, em que é possível profissionalizar a militância comunista a partir de pagamentos realizados ou intermediados por grandes corporações. Algumas pessoas se aproveitaram dessa situação para criar canais de grande audiência, conseguindo fazer agitação e propaganda em uma escala impensável alguns anos atrás. Ao mesmo tempo, essas pessoas se submetem ao mesmo regime de trabalho superexplorado e precarizado imposto por essas plataformas através dos seus algorítimos.

    A formulação “se Lênin fosse vivo, provavelmente, seria um tiktoker” é um ponto de partida interessante para analisar a relação da esquerda revolucionária com as mídias sociais. Se, sim, por um lado, o leninismo tem uma grande ênfase em lidar com o povo real e ir onde quer que ele esteja, por outro lado, valoriza muito a autonomia e resiliência do movimento diante da repressão. Um produtor de conteúdo é uma mera peça numa grande maquinaria de produção e reprodução de subjetividade, sendo preciso participar dessa maquinaria para ter um contato inicial com o povo. Ao mesmo tempo, participar é se reduzir a uma posição com muito pouco poder, e a maior preocupação do leninismo é como os trabalhadores podem conquistar o poder.

    O que temos aqui é uma contradição que, como a dialética nos ensina, não pode ser resolvida dentro dos termos em que se coloca. É preciso ampliar o escopo para produzir sínteses. Para conquistar o poder as organizações leninistas precisam acumular forças sociais de vários modos, participando em vários segmentos da sociedade, inclusive na comunicação, nos termos em que a comunicação ocorre na sociedade. Mas qualquer força revolucionária deve esperar uma oposição ferrenha por parte do sistema contra o qual ela se organiza.

    Lênin defendia que o partido precisa ter o próprio jornal, ou seja, que as forças revolucionárias precisam controlar o meio de difusão de suas mensagens já que seu caráter revolucionário fará com que perca acesso aos jornais burgueses assim que acumular força o bastante para incomodar os donos do poder. “Jornal” aqui não se refere necessariamente ao jornal físico, mas o meio de difusão de ideias. Continuando a analogia, ter o próprio jornal não é equivalente a ter o próprio canal no YouTube ou Servidor no Discord, mas a ter o próprio YouTube ou Discord. Nossa experiência ensina que a ameaça da repressão não são fantasias conspiratórias. As plataformas não são politicamente neutras, favorecem conteúdos de extrema-direita, derrubam desproporcionalmente mais perfis de esquerda que de direita. Sim, as pessoas estão nelas, então é preciso participar delas para fazer agitação, mas é um risco depender delas para nossa comunicação e é insensato depender delas para viabilizar financeiramente a atividade militante.

    Grande parte da esquerda revolucionária aplica a estratégia do “funil de conteúdo”, elaborada por Luide Matos, segundo a qual é necessário ter mensagens diferentes em plataformas diferentes, e guiar as pessoas da plataforma mais superficial, no topo do funil, para a mais profunda, no fundo, a medida que ela se aproxima ideologicamente. Esta estratégia é muito adequada para superar a contradição posta, por conceber a agitação e propaganda como um processo, mas para que isso ocorra é preciso uma correção de curso importante: o fundo, talvez até o meio do funil, devem ser fora das mídias sociais corporativas.

    O funil de conteúdo é uma boa estratégia, e tem dado bons resultados para muitos comunicadores, mas observar as relações de poder nas mídias sociais nos obriga a este adendo. É impossível construir um poder comunicacional real estando à mercê dos termos de uso e vontades questionáveis das plataformas. Isso quer dizer que a “venda” no fundo do funil precisa ocorrer em espaços controlados pelas forças revolucionárias, e que o funil deve direcionar as pessoas para fora das mídias capitalistas.

    Fazer essa correção de curso pode nos trazer duas grandes conquistas. Primeiro, menos exploração e adoecimento de nossos comunicadores. Garantir que a sustentação financeira ocorra através das nossas próprias plataformas nos protege, ao menos em parte, das desmonetizações, shadowbans e mudanças arbitrárias de regras. Segundo, ter os membros mais engajados da comunidade em espaços mais saudáveis, controlados por nós, que não estão ativamente tentando distraí-los e desviar sua atenção para outros assuntos facilita o acesso, mobilização e organização políticas.

    Mas é preciso reparar que um site de notícias tradicional, não se é um fundo de funil adequado. Voltando a Luide Matos, “pessoas gostam de pessoas”, não do notícias em um site. O fundo do funil precisa de um forte componente social, similar às plataformas sociais que usamos. É necessário, literalmente, começar a pensar em termos de que “ter o próprio jornal”, hoje em dia, significa ter a própria plataforma. Não necessariamente como ponto de partida, mas como objetivo. O ICL, por exemplo, começou sua plataforma de cursos no HotMart, mas a migrou para o WordPress. Fazer essa mudança nos obriga a debater suas condições materiais. Assim como as oficinas tipográficas que imprimiam e reproduziam o Iskra precisavam ser debatidas pelos revolucionários russos, os softwares e hospedagens de sites precisam ser debatidos pelos revolucionários atuais.

    Existe acúmulo. A Rede das Produtoras Colaborativas, a Rede Sacix, Coletivo Digital, pontos e pontões de cultura digital, vem estudando e debatendo soluções, como a adoção de plataformas federadas. Exige trabalho, mas eleva nosso grau de organização, sustentabilidade, independência e resiliência.

    Com o perdão ao quixotismo, combater as corporações digitais passa por libertar as pessoas de seus jardins murados. Fazer com que elas sangrem usuários até a anemia mediante uma guerra popular prolongada.

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  • Pílula Vermelha 2 – Quem são os políticos?

    Baixe aqui a versão para celular (3,4 MB) Pílula Vermelha 2 – Quem são os políticos?

    Mas os empresários defendem o crescimento econômico, o que é bom pro país.

    Pelo contrário. O lucro deles não é a mesma coisa que o desenvolvimento para o país. Desenvolvimento precisa de distribuição de renda, precisa que uma parte maior da riqueza que os trabalhadores produzem fique com eles, que os salários sejam maiores. Isso porque um país desenvolvido é um país em que todos vivem bem. Mas como dá pra gente ver, é possível ter alguns empresários ganhando milhões, enquanto o povo passa fome. Coisas como o Trabalho Intermitente dessa última reforma da trabalhista são exatamente ferramentas de garantir mais lucro para poucos bilionários às custas da nossa miséria  Para o país se desenvolver é preciso distribuir renda, ou seja: menos lucros.

    Você está dividindo o país! Somos todos brasileiros antes de trabalhador ou empresário.

    O país já está dividido. Um dos donos da AmBev lucrou, apenas em 2016, mais de dois milhões por hora. Isso quer dizer, que o salário de sete mil reais que as pessoas se matam para conseguir em um dos programas de trainee mais concorridos do país são 11 segundos e meio do lucro dele. Isso para não falar no chão de fábrica. E são essas pessoas que dizem que os impostos, que sustentam saúde, educação e segurança, são altos demais. No mínimo, a cerveja devia custar bem menos. Qualquer pessoa que vê essa divisão e não acha que tem algo errado, ou ganha com isso, ou é o perfeito inocente útil.

    Mas a maioria dos empresários não são, nem de longe, ricos desse jeito.

    Com certeza. E eles estão mais perto de serem trabalhadores que qualquer outra coisa. Eles são prejudicados no sistema atual, porque não conseguem competir com os grandes capitalistas que faturam milhões em cima de milhões. E mais, as políticas atuais que aumentam o desemprego e reduzem salários são péssimas para eles. Mas não são eles que são eleitos deputados, são? Não são eles que estão no senado, são?

    Mas se eleger gente pobre, aí é que vão roubar mesmo!

    Se a corrupção nascesse da necessidade, os milionários do congresso não estariam tão afundados em lama, as empreiteiras bilionárias são estariam comprando parlamentares, gente com rios de dinheiro, como Joesley Batista, não estariam gastando esse dinheiro com mesada para Eduardo Cunha. O importante não é o político ser pobre ou rico, mas ele buscar um país desenvolvido e justo. No Brasil de hoje isso é investir os recursos públicos no bem estar do povo, e as chances de um trabalhador defender o bem estar dos trabalhadores são muito maiores do que as de um empresário fazer isso.

    E como encontrar candidatos bons?

    Eu recomendo votar em comunistas, mesmo que de fora. Para nós, povo, funciona melhor que votar no político tradicional da cidade que só vai beneficiar a classe dele.

     

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  • Contribuições para o debate sobre a criação de uma esquerda pós-socialismo

    Como podem imaginar, não sou a favor da construção de um pós socialismo. Está no nome o blog. Mas vamos aos argumentos.

    A esquerda antes do socialismo científico

    A esquerda na verdade é mais velha que o socialismo utópico, e o utópico é mais antigo que o socialismo científico. O ponto central é que o pensamento marxiano conseguiu conquistar hegemonia dentro da esquerda a ponto de ser difícil pensar em uma esquerda que não leia Marx. É bom entender como Marx chegou nesse nível, mas também perceber que sempre houve e ainda há uma grande parcela da esquerda não marxista.

    A esquerda nasce com os Jacobinos, durante a revolução francesa, e podemos classificar como um movimento que busca melhores condições de vida para a população. No contexto da revolução isso significava principalmente garantir o preço do pão, e a estratégia era o tabelamento. Faltava uma compreensão da estrutura econômica que fazia o trigo ser caro e a capacidade de transformar essa estrutura. Por isso baixavam decretos e usavam as armas para garantir que os cumprissem.

    O socialismo não nasce na revolução francesa, mas dentro do cristianismo, com pensadores que buscam uma comunidade igualitária em que a riqueza seja compartilhada. A igreja persegue essas ideias e há uma aproximação dessas ideias cristãs com os revolucionários franceses, de onde nasce a Comuna de Paris. Estes pensadores e mesmo a Comuna tem dificuldade em concretizar seus planos e em apresentar um modo de transição para o comunismo, por isso são chamados de Utópicos por Marx.

    O que Marx oferece é uma estrutura

    Utópicos ganha um sentido meio pejorativo, porque Marx entende que eles não serão capazes de materializar seus sonhos, porque falta compreender como fazer isto. Marx tenta antes de mais nada compreender o capitalismo, suas entranhas, para propor um meio de o superar. Essa estrutura que ele usa para compreender a economia, a política e a sociedade é tão completa e explicava tão bem os fenômenos da sua época que se tornou quase irrefutável.Isso levou a dois fenômenos interessantes no século XX:

    • A esquerda se confundiu com o socialismo científico marxista
    • A esquerda teve dificuldade em atualizar o pensamento marxiano

    É incrível que as revoluções bem sucedidas, como russa e chinesa tenham sido guiadas por pessoas que atualizaram Marx e adaptaram a estrutura dele à realidade concreta de suas revoluções, e ao mesmo tempo tenha havido um engessamento desse pensamento, como se o marxismo fosse uma espécie de religião. Vivemos sob a sombra dessa percepção, de que toda esquerda é marxista e que o marxismo é um pensamento imóvel, mas essa sombra é falsa.

    A criação do que já existe

    Mas o fato é que a partir dos anos 80 tivemos um crescimento cada vez maior de uma esquerda que não se filia ao socialismo científico. Que se filia aos valores originais da esquerda de igualdade e bem estar, mas rejeita ou simplesmente desconhecem a estrutura que Marx oferece para lidar com estes problemas. Essa esquerda se filia, em sua maioria a dois movimentos, a New Left (Nova Esquerda) e à proposta de uma 3ª Via entre capitalismo e socialismo. Como aliás, já disse aqui, grande parte da esquerda não tem no seu centro a contradição entre Capital e Trabalho, que é o núcleo do pensamento marxiano, mas uma proposta de justiça social. A ideia que toda a esquerda é socialista é um espantalho1 que a extrema direita tem utilizado.

    Que críticas cabem à esquerda não socialista?

    A maior crítica é que o pós-socialismo está muito próximo do pré-socialismo e suas utopias não realizáveis. A 3ª Via propõe algo muito próximo da Social Democracia2, na medida em que mantém uma economia capitalista mas defende um governo de esquerda que atue para neutralizar os problemas que o capitalismo gera. A diferença na prática3 é que a 3ª Via nasceu após o neoliberalismo e aceita uma economia financeira neoliberal enquanto a social democracia tem uma noção mais antiga de setor público e vai defender não apenas que o estado conserte os problemas que o capitalismo causa, mas que ele interfira na economia para reduzir esses problemas, com algumas vertentes defendendo inclusive a transição para o socialismo.

    A Nova Esquerda, se concentra em outras pautas, que não a economia e a contradição Capital/Trabalho. Pautas como direitos de minorias, igualdade de gênero, ambientalismo, etc. Essas pautas, como o movimento não se debruça sobre a economia, seriam também alcançáveis dentro do sistema capitalista. Por isso, embora seja algo diferente da 3ª Via, a Nova Esquerda conseguiu expressão politica nos EUA a partir do partido Democrata, que é de 3ª Via, fazendo com que exista uma grande sobreposição entre estes dois movimentos.

    O problema dessas abordagens é que elas podem ser descritas como enxugar gelo. O Estado precisa corrigir as desigualdades geradas pelo capitalismo, mas sem superar o capitalismo, que causa essas desigualdades. Como os Jacobinos busca corrigir o problema atuando pela sua manifestação final, em vez de sobre suas causas. Falta uma estrutura operável que permita compreender e planejar a superação definitiva dos problemas sociais.

    Os desencontros entre economia e política em Lula e Dilma

    Em um episódio recente do podcast Transe, Tatiana Roque aponta erros na política econômica recente que atribui a visões ultrapassadas sobre produção e trabalho, associando essas visões ao socialismo. Sua análise sobre o fracasso econômico da construção de uma nova matriz econômica é certeira. O governo baseou suas ações na contradição entre um capitalismo produtivo vs. um capitalismo rentista, ignorando que são os mesmos capitalistas a operar na economia real e na especulação. Contrapôs essa política ao impulso econômico gerado pela transferência de renda e apresentou como hipótese de explicação para essa aposta errada um fetiche pela figura do trabalhador, central no sistema simbólico do socialismo.

    Lênin já apontava no Imperialismo (1916)  que a burguesia financeira não é nada mais que a burguesia produtiva em outro ambiente, mas não vejo falha no diagnóstico de Roque, porque na esquerda brasileira essa separação tem sido moeda corrente há décadas. Tenho a impressão que essa oposição vem, não do socialismo, apesar de ter sido abraçada por ele, mas de uma leitura rasa de Keynes e de uma busca atrapalhada de reviver um nacional desenvolvimentismo que teve sua era de ouro no país durante ditaduras como a de Vargas ou a Militar. Essa crença de uma possível aliança entre trabalhadores e burguesia produtiva contra a burguesia financeira é um ponto em que precisamos fazer uma profunda reflexão e autocrítica. Mas essa crítica não vai, necessariamente, no sentido de um abandono do socialismo, até porque dentro do pensamento socialista o apoio ao “capital produtivo é algo marginal, e não central.

    O problema estrutural que essa aliança Capital/Trabalho procurava resolver

    O Brasil possui um deficit fiscal estrutural: desde sempre o governo gasta mais do que arrecada. Ao mesmo tempo possui serviços públicos que precisam de investimentos gigantescos para atingir a qualidade que queremos. Isso acontece porque apesar de termos uma carga tributária razoável, nossa economia é pequena quando comparada com nossa população. Temos uma economia pouco maior que a do Reino Unido, com uma população mais de três vezes maior. Isso quer dizer que, se a carga tributária fosse a mesma nos dois países, o valor que o governo teria pra gastar com serviços públicos seria mais de três vezes menor no Brasil que no Reino Unido, o que gera serviços piores. Essa aliança buscava fazer a economia crescer, para gerar mais impostos, para investir em serviços públicos melhores. Boa parte dos problemas do Brasil giram em torno do crescimento.

    O que Roque nos aponta é que tivemos uma experiência de crescimento melhor com transferência de renda, que gera consumo, aumentando a demanda, que com incentivos para as empresas. Essa se encaixa na estrutura econômica descrita por Keynes, em que o crescimento econômico global é movido pela demanda agregada, e não pela oferta. Mas ela ponta também que o perfil desse crescimento foi “ruim”, dentro da lógica do fetiche pelo trabalho industrial, porque se concentrou no setor de serviços.

    O problema é que o Brasil tinha alcançado uma situação de pleno emprego, precisando exatamente mudar o perfil da sua economia, agregando valor, para conseguir aumentar seu tamanho. Há exemplos dessa aliança funcionando na Coreia do Sul, durante sua ditadura, no Japão, durante a ocupação americana4 e na China, que não é uma democracia liberal. O governo tentou materializar essa aliança, mas sem contar com o controle do Estado sobre a economia que esses países tinham, e falhou miseravelmente, porque o Brasil é uma democracia liberal. Precisaria ou abandonar a 3ª Via, institucionalizada desde FHC e reafirmada por Lula na Carta ao povo brasileiro e criar mecanismos de controle do Estado sobre a economia, para garantir que a burguesia seguisse o plano, ou operar através da demanda, como ocorreu com a nacionalização de fornecedores da Petrobrás ou Bolsa Família.

    Essas políticas não são exclusivas ou inerentes ao socialismo, apesar de serem o arroz com feijão a China hoje, são o passado do Japão e Coreia do Sul sob forte influência dos EUA. Foram levadas a cabo pelo setor de esquerda no Brasil, com o apoio de socialistas, mas na minha opinião, uma esquerda muito mais ligada à 3ª Via e a um saudosismo varguista que ao socialismo.

    As mobilização política e a subjetivação do trabalho

    Mas, para além da análise concreta, o podcast aborda uma discussão teórica importante, que é a decadência da imagem subjetiva do trabalhador diante da imagem subjetiva do empresário. Essa visão está ligada à subjetivação neoliberal do indivíduo como empresa e das relações humanas como relações principalmente econômicas5. Essa discussão não é, principalmente, sobre economia, mas sobre  política. A possibilidade de mobilização política de um movimento está ligada `oferta de uma subjetivação do sujeito que seja sedutora. A globalização colocou a subjetivação do trabalho em crise nos países de centro, porque exportou o trabalho industrial para países de periferia, o substituindo por trabalhos piores no setor de serviços, ao mesmo tempo em que o trabalho intelectual se proletarizou e tem sido cada vez mais superexplorado. São dilemas sérios que a esquerda precisa resolver, mas a situação no Brasil é um pouco diferente.

    No Brasil também há uma recusa do trabalho como salvador e uma aderência crescente à figura do empreendedor como subjetivação desejada. Mas há fatores locais tão ou mais importantes. O principal é que o ambiente e as relações de trabalho, principalmente os menos qualificados, são ambientes e relações de abuso. Isso começou a mudar quando atingimos, por pouco tempo, um pleno emprego e valorização do salário mínimo, mas já estamos retrocedendo de novo. Nossas relações de trabalho evoluíram muito pouco quando comparadas com a escravidão e a dependência/clientelismo aos coronéis rurais. Uma parte  central da subjetivação do empreendedor nos países de centro é o sucesso, materializada como riqueza, em nome do qual os empreendedores se submetem a cargas de trabalho desumanas. No Brasil ficar rico é acessório. O cerne é a libertação da relação hierárquica do emprego. O peso da autonomia na subjetivação do empreendedor nacional vem da naturalização e constância do abuso no ambiente de trabalho.

    Paul Singer oferece uma perspectiva da história do socialismo diferente da do início do post no livro Uma Utopia Militante. Defende não uma história política/ideológica que nasce com pensadores cristãos e Revolução Francesa, mas econômica, que nasce nas experiências de coletivismo econômico na Inglaterra. O empreendedor coletivo  ou social, em arranjos cooperativos de produção, é uma possibilidade interessante de repaginação das relações e da subjetivação do trabalho. Faltam formas jurídicas que consigam englobar essas formas de organização e falta uma organização conceitual do que seria o empreendimento coletivo hoje, mas com certeza seria uma alternativa à precarizações como o uber ou airbnb, empoderando seus cooperados, em vez de uma empresa de administração do trabalho alheio.

  • Pílula Vermelha 1 – O que é ser comunista?

    Baixe aqui a versão para celular (2,9 MB) Pílula Vermelha 1 – O que é ser Comunista

    Por que essa definição é diferente do que está  nas enciclopédias?

    As enciclopédias vão descrever o comunismo como a defesa de que os meios de produção sejam de propriedade comum, mas essa definição, apesar de verdadeira, é pouco didática. Defender que os meios de produção, as fábricas, as terras aráveis, etc. sejam de todos é a solução que os comunistas propõe para a contradição entre capital e trabalho, ou seja, que os trabalhadores produzem a riqueza, mas não ficam com ela. Falar da solução sem apresentar o problema não ajuda a entender a questão.

    E por que essa contradição é importante?

    A base do comunismo é essa contradição. A partir dela entendemos que existe uma classe explorada, que produz a riqueza mas não fica com ela, e uma classe dominante, exploradora. A partir dela entendemos que para acabar com a exploração não basta a luta cotidiana por melhores salários e condições de trabalho. Que este é um primeiro passo, mas que é preciso superar o próprio capitalismo. Ela é o alicerce de todo o resto do pensamento comunista.

    Mas toda a esquerda concorda com esses três pontos!

    Infelizmente não. Boa parte da esquerda luta apenas pelo fim da pobreza ou para alcançar a justiça social, mas não superar a exploração do trabalho. Perceber a exploração por trás do trabalho é o que mantém os comunistas sempre do lado do trabalhador e sempre mobilizados para transformar a sociedade. Somos ambiciosos. Não queremos só que a pobreza acabe ou que as minorias tenham seus direitos garantidos. Queremos um mundo sem exploração.

    Mas isso não acontece antes de você morrer…

    O que não quer dizer que a gente vá deixar de lutar por isso. As grandes transformações do mundo são processos de longa duração. O PCdoB já existe há quase cem anos e existirá pelos próximos cem. Talvez a gente não veja um mundo sem exploração em nossas vidas, mas podemos ver hoje os avanços conquistados e planejar os próximos. Nossa luta já foi e ainda será responsável por vários avanços rumo ao fim da exploração do ser humano pelo ser humano.

    Mas como as pessoas vão ter trabalho sem empresários?

    A empresa é necessária para as pessoas terem trabalho, mas o empresário não é necessário para a empresa existir. Existem outras formas de organizar a economia, como cooperativas, estatais, coletivos solidários, etc. e em nenhuma dessas você tem um capitalista que fica com a maior parte da riqueza criada pelos trabalhadores. Empresas privadas são a forma mais comum hoje, porque vivemos sob o capitalismo, mas poderia ser diferente.

     E como pretendem alcançar isso?

    O socialismo é um objetivo de longo prazo, que precisa ser perseguido com planejamento e consequência. Por isso o PCdoB elaborou um Programa Socialista, para o país que trata das tarefas de desenvolvimento econômico e social necessárias para alcançar o socialismo.

     

    Pílulas Vermelhas: Modo de Usar

  • O vírus da irrelevância

    A democracia está quebrada, e nem entendemos o problema direito. Isto é um esforço para tentar montar o quebra cabeças. Esta é uma peça.

    O viral há muito já deixou de ser um fenômenos esporádico para se tornar um modo de funcionamento da nossa cultura. A cada semana algo novo viraliza, se torna o assunto do momento por alguns dias, para depois cair no esquecimento. Esse comportamento epidêmico da comunicação digital, em que a notícia se espalha criando imunidade contra si mesma já é como nós esperamos que os discursos sejam feitos hoje. E exatamente porque esperamos, criamos modelos de negócio baseados neles. No início, a comunicação viral era um fenômeno raro e exótico e sua transformação de exceção em regra está ligada ao modo como a internet se paga.

    Quase toda a internet é financiada por anúncios, ou seja, os veículos de comunicação oferecem conteúdo de graça para atrair olhos sobre si e cobram para que anunciantes tenham acesso a estes olhos. Isso quer dizer que os veículos de comunicação precisam de público. E precisam muito. Por isto investem muito em novas técnicas e estratégias para atrair olhos que possam vender aos anunciantes. Uma das técnicas mais simples e óbvias é falar sobre os assuntos do momento. O jornalismo, há décadas, separa matérias em quentes, as que precisam ser publicadas imediatamente, antes que se tornem obsoletas, e frias, as que podem ser publicadas a qualquer tempo, e ficam guardadas para os dias com poucos acontecimentos, em que há poucas notícias quentes ocupando as páginas dos jornais.

    Mas uma das mudanças estruturais da internet é a prateleira infinita6. O conceito de que não é mais preciso limitar a quantidade de produtos oferecida, porque não existem mais limites físicos. Em teoria, as matérias frias podem ser publicadas a qualquer momento porque não há limite do número e podem ser acessadas através dos sites de pesquisa. O único limite é o de pessoal, capaz de geral tal conteúdo, e aí que as leis econômicas atacam de modo inesperado.

    ads/olhos
    Se a informação é gratuita, a mercadoria vendida são seus olhos.

    Mas matérias quentes tem mais audiência, toda a indústria de comunicação sabe disso, e a prateleira infinita, ao invés de favorecer as matérias frias, que atraem poucos olhos, reduziu o limite da trivialidade7, fazendo com que passássemos a ter mais matérias quentes, sobre tópicos cada vez menos relevantes. O limiar do publicável se reduziu sistematicamente na última década, na medida em que os meios de comunicação otimizaram seu conteúdo em sua batalha por mais olhos. Essa otimização brutal se fez necessária principalmente porque a internet é um campo miserável onde os meios de comunicação quase todos lutam constantemente contra a falência.

    A Lei da Trivialidade de Parkinson ajuda a entender essa ampliação do que é publicável. A lei diz que o engajamento em uma discussão é inversamente proporcional à sua importância, porque matérias importantes são complexas, e as pessoas são incapazes de participar de uma discussão que não compreendem. Assim, as matérias que podem ser objeto de discussão infinita, as que valem a pena publicar quanto o critério de valer a pena é o número de olhos atraídos, são as mais triviais, as em que qualquer um pode dar uma opinião, as que perguntam de que cor é o vestido.

    Ninguém sabe como serão, os filhos deste casamento. Indústria da informação, indústria do entretenimento.

    Assim, as condições econômicas da comunicação na internet disseminaram a viralização como regra, o que é uma dinâmica, mas também seu conteúdo. Os meios de comunicação, eles próprios a fabricam ao amplificar os menores movimentos espontâneos que encontram nas redes sociais, os legitimando e atraindo mais pessoas para uma interminável, porém trivial discussão. As pessoas e instituições, recompensadas por participar destas discussões irrelevantes, continuam as realizando, comprovando as mais rudimentares premissas da psicologia comportamental.

    Se a comunicação fosse apenas um negócio para as empresas que se arriscam a operar na área, este artigo não existiria. Mas como a comunicação cria realidades, elege governantes, promove valores, entre outros, devemos nos perguntar como combater a epidemia de irrelevância da comunicação digital.