Este artigo é o primeiro de uma série que lança reflexões importantes para os debates em torno das eleições municipais de 2024.
As discussões sobre o espaço que pessoas de minorias sociais, como mulheres, negros, deficientes, pessoas LGBTQIA+ ocupam nos órgãos políticos de esquerda reacendem regularmente, e costumam girar em torno de argumentos éticos e políticos, que são bons, muito bons, mas estamos deixando de lado argumentos estratégicos que deveriam circular mais. Deveriam circular, porque há muita gente que faz questão de não entender que a classe trabalhadora é formada pelas minorias, que não é possível desenvolver o Brasil sem superar as várias formas de discriminação, que as estruturas políticas naturalmente tendem a reproduzir a estrutura social de reservar as posições de poder para uma elite que espelha a elite social.
Esses argumentos precisam circular principalmente agora, que os partidos se debruçam sobre sua seleção de candidatos para as eleições de 2024, porque as candidaturas, principalmente as majoritárias, são espaços poder e projeção de lideranças.
Representatividade não é tudo e, por isso mesmo, é fundamental
O argumento de que a representatividade não é o bastante costuma ser mobilizado pelos seus adversários, mas é exatamente porque a direita é capaz de mobilizar lideranças pertencentes a minorias que a esquerda precisa ser o mais representativa possível. A existência de uma Joice Hasselman ou um Fernando Holiday nos prova que, sim, representatividade não é tudo e o pertencimento a uma minoria não quer dizer a defesa dessa minoria. Mas também nos mostra que a direita disputa as minorias sociais a partir de dentro destes grupos, através de suas lideranças. Se a esquerda não se diversificar e abrir espaço para lideranças destas minorias, estará disputando esses grupos a partir de uma posição de desvantagem: de fora deles. Se representatividade não basta, uma estratégia inteligente é fomentar e projetar quadros das minorias a posições de liderança, para fazer a disputa ideológica dentro desses grupos. Se a esquerda pretende ampliar sua base social, melhorar sua correlação de forças, ela precisa de mais lideranças pertencentes à minorias, e não menos, para poder disputar estes segmentos da sociedade a partir de posições mais vantajosas.
A direita tem usado, já há vários anos, a estratégia de se apresentar como renovada e moderna a partir da projeção de lideranças pertencentes à minorias. Na eleição do México deste ano a direita será representada por uma mulher de ascendência indígena. No segundo turno da eleição do Equador de 2021 o apoio do terceiro colocado, um indígena, foi fundamental para a vitória da direita. Se a esquerda insistir na estratégia de reservar os espaços internos de poder, como direção partidária ou candidaturas majoritárias, aos homens brancos com mais de 60 anos, já entra nas disputas políticas em posição de desvantagem, abrindo um flanco para ataques adversários.
A diversidade é a vanguarda do antifascismo
Há uma grande luta de ideias ocorrendo, em que o discurso fascista defende o fim da igualdade como pilar estruturante da sociedade, restringido minorias a uma subcidadania. O ódio às minorias é mobilizado para justificar medidas que aumentem a desigualdade social, então hoje, a luta pela diversidade não é apenas a defesa de ideais abstratos do liberalismo clássico que o liberalismo econômico esqueceu, mas batalha central da luta antifascista.
Mas é impossível vencer essa batalha, sem que nos tornemos mais diversos. Toda organização política tem um discurso, e tenta convencer a sociedade deste discurso. Mas, como já está claro para todos os estudiosos da comunicação e educação, as ações dizem mais que as palavras, o que não deveria surpreender nenhum materialista. Se nosso discurso contra a discriminação não se materializa em ações concretas, dentro do nosso próprio grupo, ele vai ser lido como hipocrisia e incoerência pelas pessoas, mesmo que elas não elaborem essa percepção de modo consciente.
Não é possível vencer o discurso fascista que inferioriza as minorias em uma organização que inferioriza as minorias.
Estes dois motivos sozinhos indicam que, para as organizações de esquerda, priorizar a diversidade não é mais uma opção, mas um imperativo estratégico, uma necessidade imposta pelo tempo histórico em que vivemos. Mas ainda há um motivo bastante pragmático de porque mais que necessário, é desejável:
A mediocridade dos privilegiados
Em uma sociedade desigual como a nossa, as pessoas simplesmente são medidas com réguas diferentes. Enquanto as pessoas das minorias precisam ser realmente excepcionais para serem reconhecidas, a elite branca que possui riqueza intergeracional é reconhecida como genial mesmo que seja apenas medíocre. Não é a toa que todas as empresas que se arriscam a abrir suas posições de poder para membros das minorias veem seus resultados crescerem.
Quando alguém diz, por exemplo, que é “cria da Maré”, está dizendo que teve a capacidade de alcançar bons resultados mesmo com vários mecanismos de opressão sistêmica jogando contra. Está dizendo que as pessoas mais geniais do Brasil não são os filhos da elite que alcançam bons resultados com todas as condições a favor, mas as que, com tudo jogando contra, ainda assim se destacam. A decisão de colocar uma pessoa com esse tipo de capacidade em posições de liderança e poder, administrando recursos e pessoas, é a decisão de colocar as melhores e mais capacitadas pessoas da nossa geração para comandar nossa ação política.