Minha graduação em História é divida em dois períodos, na mesma instituição. O primeiro em 2005 e 2006, quando esta era uma instituição filantrópica esperando Godot a estadualização e o segundo de 2016 a 2018, logo após se tornar, finalmente, uma instituição pública estadual.
Os dez anos entre um e outro e a estadualização mudaram radicalmente o perfil dos estudantes. Muita gente na minha turma de 2005 eram jovens de baixa renda, fazendo sacrifícios para fazer uma licenciatura em busca de alguma estabilidade profissional com um salário ao menos digno. O número dessas pessoas diminuiu brutalmente em dez anos de governos progressistas, distribuição de renda, aumento do salário mínimo, redução do desemprego e aumento brutal do ensino técnico público ou subsidiado.
Não, a seleção do ensino público, mais concorrida, não me parece o fator mais relevante. As turmas de 2014 e 2015, também eram diferentes. Claro, essas pessoas não desapareceram, mas migraram principalmente para os cursos EAD com mensalidades muito abaixo das que eram cobradas pela instituição. EAD que funciona exatamente porque lida melhor com turmas de cinco estudantes.
Mas, se estes estudantes diminuíram, o que ocupou seu espaço? Estudantes que tinham uma identificação com a área, que estudavam em busca de realização pessoal e intelectual. que perseguiam seus sonhos, no sentido mais romântico, e menos ligado à necessidade de viver com dignidade. O que seria o público natural de um curso superior, em uma sociedade em que as pessoas possam viver bem fazendo o que gostam, seja isso consertar carros, tomar conta de crianças ou ler documentos do século XVIII.
Uma sociedade desigual é uma sociedade em que apenas uma minoria privilegiada pode seguir sua vocação, seus sonhos, ou fazer isto do modo que quer, como me prova a lembrança da companheira de partido e lutas, fazendo direito via ProUni em um centro universitário do interior de SP, mesmo tendo passado no vestibular da USP.
A necessidade de oportunidades para todos é o outro lado da moeda da meritocracia, e qualquer meritocrata que não use este discurso como desculpa para esconder seus privilégios admite isto, e defende a criação de oportunidades. É um ponto central da Democracia Cristã, corrente de direita muito forte na política europeia. (Não confundir com o partido fisiológico que usa este nome no Brasil). Mas está longe de ser exclusividade deles.
Um ponto central do comunismo, que precisamos aprender a divulgar mais, é a defesa de criar oportunidades para que as pessoas desenvolvam seu potencial.
Pausa para propaganda soviética:
Os regimes socialistas são o lugar onde mais se investiu em criar oportunidades, e condições para que as pessoas as explorassem. Onde um filho de um carpinteiro e uma leiteira, como Gagarim, pode se tornar o primeiro homem no espaço. Entendemos que a pobreza, a desigualdade, nos privam do talento de milhões de pessoas, forçadas a desprender todas suas energias em apenas sobreviver, em vez de contribuir com o avanço de toda a sociedade.
Os direitos, inclusive o de buscar a felicidade, como está na constituição dos EUA, só podem existir em manifestações concretas. O direito à liberdade só existe como direito de escolha entre oportunidades concretas. A desigualdade econômica e social é antes de mais nada uma desigualdade de oportunidades, que depende da política para ser superada, como mostram as leis de cotas em universidades e concursos.
O objetivo último do comunismo é a universalização das oportunidades, transformar o que hoje é privilégio de poucos em direito de todos (com o perdão do pelonasmo didático). O objetivo do comunismo é que todos tenham meios de perseguir os próprios sonhos. E, impossível pensar em liberdade maior que esta.