No mais polêmico lançamento de livro dos últimos anos, Elias Jabbour fez um comentário importante: o horizonte do socialismo hoje em dia é o governo guiado pela razão. Essa discussão de “qual o horizonte do socialismo?”, em qual alvo a gente mira? Essa é uma discussão que fazemos pouco, e sinto que precisávamos fazer mais.
Afinal, União Soviética caiu, Europa Oriental virou capitalista, os regimes socialistas e Cuba, China, Laos e Vietnã passaram por “reforma e abertura”. A possibilidade de uma revolução violenta é muito remota no Brasil, uma vitória eleitoral acachapante dos comunistas também é uma possibilidade improvável e, pior, parece depender de clareza sobre qual este horizonte. Difícil convencer o eleitorado sem um plano claro de para onde ir. Qual o alvo então? Qual o horizonte onde mirar?
Mas um governo orientado pela razão parece antes uma utopia weberiana que uma marxista, não? O que ocorreu entre os anos 70 do século XX, em que as revoluções eram possíveis, e aconteceram, e os nossos anos 20 do século XXI, cuja utopia lembra o século XIX?
Existe uma potência singular por trás do argumento de Elias Jabbour, uma verdade implícita: a razão defende o socialismo, e o sistema neoliberal é irracional.
É difícil sustentar racionalmente um sistema onde 99% da população possui metade da riqueza. Argumentos neoliberais, como a “economia do gotejamento” são desmentidos pelos fatos. É impossível justificar pela razão a existência de bilionários em países onde pessoas passam fome. E, ainda mais insustentável defender políticas econômicas, que neste contexto, favorecem os bilionários e aprofundam a fome.
A razão pode descrever estes sistemas, mas nunca defendê-los.
O capitalismo se sustenta não pela razão, mas pela falta dela. Pelos automatismos que são incutidos nas pessoas pela educação, pela mídia, pela tradição. Pela defesa cega e irracional da “família”, da “meritocracia”. O simples fato de aplicar a razão ao governo, nos leva à conclusão básica da República: administrar o comum para o bem de todos. Um ideal iluminista.
A ideologia capitalista bota uma fantasia de racionalidade no capitalismo, porque utiliza a ciência e a técnica para administrar a produção, porque planeja as atividades futuras. Mas essa racionalidade do setor privado do capitalismo não se estende ao governo ou ao Estado, cujas ações se guiam não pela razão da República, mas por defender e perpetuar os privilégios de poucos às custas de muitos. Sob o capitalismo, o Estado é um projeto de exclusão, cuja crueldade precisa ser mascarada para que possa se passar por racional.
Mas qual razão poderia aumentar a taxa de juros em meio a uma recessão, como nosso Banco Central tem feito? Qual razão poderia criar o Teto de Gastos em um país que precisa desesperadamente de investimento público? Que razão poderia aplicar um três golpes de estado em nossa história? Que razão pode glorificar a tortura?
Não é a razão não guia os governos no capitalismo, mas os interesses de uma pequena elite em manter funcionando a máquina de fabricar miséria que nosso governo foi projetado para ser. O objetivo que as instituições democráticas dizem que defendem são todos racionais. Os objetivos que o liberalismo diz que defende são todos racionais, e se aproximam de vários objetivos comunistas. Mas o que as instituições realmente fazem é irracional. O que o neoliberalismo defende é indefensável.
Sobre isso, nosso próximo post vai mergulhar na má-fé institucional.