Nos últimos anos o jornalismo adotou a postura de noticiar a política como se fosse um esporte, ou entretenimento, mudando o foco de como a política afeta os cidadãos para como se dá a disputa entre os atores políticos. Já falei sobre como isso alimenta a antipolítica e é perigoso para uma democracia. Mas, parece que essa mudança não afetou apenas a mídia, mas as próprias instituições políticas, como partidos e movimentos sociais que, cada vez mais, pensam a política como resultado da ação de “grandes homens”, relegando o povo à posição de massa de manobra.
A discussão sobre a comunicação bolsonarista ou governo Lula III é um exemplo claro desse movimento. A discussão sempre gira em torno de técnicas, em vez de tentar compreender quem são as pessoas com quem ela comunica, como veem o mundo, no que acreditam. O povo é apenas uma massa amorfa, esperando a comunicação certa para reagir aos chamados a apoiar ou se opor à determinada medida da agenda do dia. Sendo assim, a responsabilidade do sucesso ou fracasso da ação política é da comunicação, ou melhor, dos comunicadores, de uns poucos grandes homens que são os únicos a ter real agência política. Claro, nem a ação de lideranças políticas tem todo esse poder, e o povo apenas segue o líder mais eficaz, nem as predisposições do povo são imutáveis e os líderes são incapazes de implantar sua agenda. Como tudo na vida, existe uma relação dialética, mais complexa, entre essas duas afirmações.
Como diz Manuela D’Ávila, o problema da comunicação do governo é político, e não técnico. É a falta de politização das mensagens, a falta de uma mensagem contra ideológica, contra hegemônica em uma sociedade dominada pela ideologia neoliberal. Ao mesmo tempo que isso quer dizer que se os atores políticos não têm grande margem de manobra para uma guinada à esquerda, quer dizer também que o que eles precisam fazer é concentrar suas energias na disputa ideológica, que pode ampliar essa margem.
Há quantos anos e ciclos eleitorais estamos analisando os fracassos das esquerdas, estudando as ações das lideranças sem questionar “Qual a porcentagem do povo que é de esquerda? Como aumentar esse valor?”. Com certeza, elaborar estratégias para aumentar esse valor é papel das lideranças, mas esse tópico nunca entra em pauta, como se, surgindo uma liderança de esquerda eficaz, todos fossem seguí-la naturalmente, mostrando uma enorme soberba.
E é importante ressaltar que disputa ideológica é algo muito mais amplo que a mera agitação e propaganda. É disputar os valores da sociedade que embasam suas crenças políticas. Combater a ideia de que o capitalismo é bom e justo, que empresário não é explorador, que a meritocracia existe, que ser egoísta e buscar soluções individuais é o certo, que o empreendedorismo individualista é a salvação, que o trabalho no sistema capitalismo é belo e moral.
Trabalho de base, luta política, jornal, TV, think tanks… a arena dessa disputa não importa muito, desde que alcance pessoas o bastante para fazer diferença política. Essa discussão sobre qual tática usar é inócua, porque na maioria das vezes não temos como objetivo estratégico a vitória ideológica, mas objetivos políticos quase inalcançáveis sem fortalecer a posição ideológica antes.