O que o Brasil deve demandar da China?

2025 é o ano em que Elias Jabbour voltou para o Brasil, e voltou a poder falar de política economia. Com isso, a provocação dele de que o Brasil é muito pouco estratégico na construção de acordos com a China volta a circular, e esta publicação tenta explorar algumas possibilidades.

A lógica da “cooperação ganha-ganha”

A China repete constantemente o jargão “cooperação ganha-ganha” para explicar suas relações com outros países, mas a verdade é que pouca gente realmente compreende a lógica dessa cooperação. Ilustremos com um exemplo. A China investe em fábricas de processamento de cacau e armazéns na Gana e Costa do Marfim. Com isso, esses países adensam a cadeia produtiva e incorporam essa etapa na sua economia, gerando empregos e desenvolvimento. Em troca, ela recebe contratos de longo prazo de compra de cacau processado, permitindo a criação uma indústria de chocolate na China, que importa a maioria do chocolate que consome, resultando no mesmo ganho de emprego e desenvolvimento na China. As multinacionais ocidentais fabricantes de chocolate, claro, não gostam nem um pouco de perder a possibilidade de explorar o mercado chinês, nem de ter que comprar cacau processado, em vez de in natura.

A lógica da cooperação ganha-ganha é essa: viabilizar negócios nos países do sul global em termos melhores do que os atuais na divisão internacional do trabalho. Sem entender essa lógica, é impossível elaborar demandas coerentes para a China.

Substituição de importações vs. substituição de exportações

Hoje, as demandas do Brasil à China giram em torno da substituição de importações, ou seja, produzir no Brasil produtos importados da China, como podemos ver pelo investimento na construção das fábricas da BYD e Great Wall Mortors. Essa estratégia se aproveita do grande mercado consumidor do Brasil e da possibilidade do país exportar essa produção para alguns países, o que chamamos de o país se tornar “plataforma de exportação”. Porém, o que foi descrito na parte anterior é outra estratégia, a substituição de exportações. O exemplo da indústria automotiva no Brasil, baseado na substituição de importações via presença de multinacionais, mostra os limites dessa estratégia: se concentra na etapa final do processo produtivo, mantendo a dependência tecnológica de insumos importados e de multinacionais. Em alguns casos, esse processo dá certo e o país se torna plataforma de exportação para as multinacionais, gerando uma substituição de exportações, mas isto é raro, uma vez que seu objetivo principal não é competir no mercado internacional, mas atender o mercado doméstico. A tática padrão dessa estratégia é a proteção do mercado contra importações.

A substituição de exportações, por outro lado, busca agregar valor a uma cadeia produtiva, como no exemplo do processamento de cacau. O seu objetivo é nacionalizar uma etapa da cadeia de valor, competindo no mercado global. Exatamente por isso, tende a dar mais certo quando um país deseja exportar esta etapa, em busca de melhores termos de troca ou outras vantagens. Enquanto a substituição de importações foca em produtos cobiçados, de alto valor agregado, cujas empresas mantém grande controle sobre propriedade intelectual, a substituição de exportações foca em produtos com um pouco mais de valor do que o que já é produzido e, portanto, não tão cobiçados e protegidos. A tática padrão é o contrato de fornecimento de longo prazo.

Talvez esteja pensando agora que a industrialização da China foi baseada na substituição de exportações, enquanto as tentativas do Brasil na de importações. E talvez isto explique o sucesso chinês e o fracasso brasileiro. O que a China vem oferecendo aos países sob o nome de cooperação ganha-ganha é exatamente a sua experiência de substituição de exportações, à medida que seu nível de renda e custo do trabalho aumentam.

Oportunidades nas cadeias de valor

Seguindo essa lógica, a estratégia básica para o Brasil deveria ser de substituição de exportações para a China, com investimento chinês, se aproveitando de produtos que o Brasil pode fornecer e de indústrias que a China possa querer exportar.

De acordo com essas premissas, não é inteligente para o Brasil querer investimento chinês para produzir carros elétricos. Seria mais interessante receber investimento para minerar e processar lítio, talvez até montar as baterias, produzir borracha e pneus, fazer bancos de couro…

Observando as exportações do Brasil para a China, soja em grão, minério de ferro, petróleo cru e carne de gado congelada representam 80% da nossa pauta de exportações. Todos produtos primários, o que indica que o Brasil ainda tem muito espaço para substituir exportações. Porém, contra intuitivamente, o ideal não é simplesmente tentar capitalizar nestes produtos e tentar produzir ligas metálicas, ração ou derivados de petróleo. O Brasil é um país com custos de produção muito parecidos com os da China, e não há grande benefício em exportar indústrias para cá. Porém, o Brasil pode apoiar o processo de substituição de importações chinês, como no exemplo do Chocolate.

A China não tinha grandes fábricas de processamento de cacau a exportar, mas a Suíça e a Bélgica tem. Esses países não vendem cacau processado, mas chocolate. A China está substituindo a importação desse chocolate e precisava de fornecedores de cacau. A melhor forma de garantir fornecimento a preço estável é trocar o investimento por exclusividade de compra.

Uma forma inteligente de aproveitar a guerra comercial entre China e EUA é analisar a pauta de exportações dos EUA para a China procurando produtos manufaturados e semimanufaturados que o Brasil possa produzir e produtos de alto valor agregado para os quais o Brasil possa fornecer insumos se a China nacionalizar a etapa final. Essas são oportunidades para as quais o Brasil deve demandar investimentos chineses.

Produtos exclusivos do Brasil

Outra janela de oportunidade são os produtos que apenas o Brasil pode fornecer, como os produtos das cooperativas agroextrativistas da Amazônia (castanha-do-pará, açaí, etc.). Seria relativamente fácil criar um mercado na China para produtos agroindustriais ecológicos do Brasil, e com isso fortalecer as cadeias de valor agroecológicas nacionais, que hoje são muito mais frágeis que as atividades do gado e soja que estão destruindo a amazônia. A questão central da substituição de importações ou de exportações é: “Qual o mercado consumidor relevante?”. A substituição de importações gira em torno do mercado brasileiro, enquanto a substituição de exportações gira em torno do mercado chinês. Focar em produtos para os quais o Brasil não tem concorrentes, como polpa de açaí ecológica, se aproveita do tamanho do mercado consumidor chinês para impulsionar um processo de desenvolvimento econômico em harmonia com a floresta no Brasil.

Conclusão

Acredito que as melhores oportunidades para o Brasil quanto a receber investimento chinês não estão nas altas tecnologias, na fabricação de painéis solares, trens ou carros elétricos. Estes produtos se encaixam em uma estratégia de substituição de importações que não supera a condição dependente do país, apenas muda a dependência de lugar. Nosso foco na substituição de importações nos impede de alcançar um grau maior de autonomia a partir da substituição de exportações. Nessa estratégia, o acesso ao mercado chinês é um fator essencial para fortalecer a industrialização nacional. Existe um campo enorme de oportunidades, integrando o Brasil às cadeias de valor chinesas e outro criando mercados para produtos tropicais que apenas o Brasil pode fornecer. O modo como esses acordos são feitos pode inclusive potencializar modos de produção cooperativos que preservam o meio ambiente, caso feitos com o devido cuidado.

Porém, como Elias repete constantemente, falta pensamento estratégico no Brasil para vislumbrar essas oportunidades e perseguir esses acordos.

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