O que aprendemos com o golpe?

Nossa luta por um mundo melhor, pelo futuro, só é luta porque existem adversários. E, por mais desagradável que seja, é preciso saber que por vezes eles vencem e transformar nossas derrotas em oportunidade de aprendizado.

O golpe sob o qual vivemos é o momento de refletirmos sobre que erros cometemos nesses treze anos de tímidos avanços que foram o governo capitaneado pelo PT. Essa reflexão precisa achar erros e fazer críticas, mas olhando para o futuro. A crítica não quer desqualificar as vitórias do passado, que nos foram tomadas, mas nos preparar para novas e mais duradouras vitórias.

Falha em conquistar os sonhos

Desde Marx conhecemos o fenômeno das classes médias se identificarem cultural e politicamente com as classes dominantes. Comprarem a agenda da elite na ilusão que são, ou um dia podem fazer parte dessa elite.

Esse processo aconteceu por vários motivos na media em que a nova classe C apareceu. Um deles é a ideologia da meritocracia fazer parte do senso comum há décadas. Estamos há décadas repetindo histórias de superação individual da pobreza como incentivo para que as pessoas se esforcem para sair da subcidadania em que a maior parte do povo está. Essa ideologia mascara que a subcidadania faz parte da estrutura do Brasil e vende a ilusão a que os avanços nesses 13 anos foram, não por tímidas alterações dessa estrutura, mas pelo esforço das pessoas.

Essa ilusão permitiu que a classe média comprasse o discurso liberal de menos estado e que o empreendedorismo surgisse como nova ideologia do trabalho.

Faltou desnudarmos a estrutura da subcidadania no Brasil, as injustiças sistêmicas, os meios que o grande capital tem de sequestrar o Estado, suas políticas e recursos. A ideologia da meritocracia só pode sobreviver amparada pela ilusão de que o capitalismo é justo. Nosso papel é mostrar o quanto ele é injusto, para evitar que ao ascender economicamente o povo assuma a ideologia da elite.

Falha em construir posições de poder

O PCdoB define em seu estatuto três frentes de atuação: luta de ideias, organização do povo e a luta por cargos institucionais. Essa estratégia vem de uma percepção complexa sobre a origem do poder. O poder vem das crenças coletivas, da capacidade de mobilizar pessoas a partir dessas crenças e, por fim, se materializa na conquista das posições políticas e institucionais de poder, como cargos eletivos.

O que podemos ver no longo processo que foi o golpe é que o campo democrático popular conquistou os cargos eletivos sem uma sustentação real no campo ideológico ou na organização popular. Exatamente por isso essa conquista foi tão frágil e pôde ser tão facilmente derrubada.

Existem duas estratégias básicas para conquistar o poder, a leninista e a maoista. A leninista se baseia em conquistar o poder institucional e usar o  poder do Estado para fortalecer suas posições de poder na sociedade. Podemos ver tentativas disso no governo Lula ao convocar as Conferências Nacionais, por exemplo, mas todas muito tímidas. Voltaremos a isso.

A maoista se baseia em uma guerra prolongada antes de alcançar o poder, para desgastar e fragilizar o adversário, para só então tomar o poder institucional. A estratégia da direita, de ataques constantes através da mídia foi uma guerra prolongada maoista que culminou no golpe.

Desde 2005, nas acusações falsas do Mensalão, a direita vem acusando o PT de ter um plano de se perpetuar no poder, como se isso não fosse um fato óbvio, porque ele ser um partido politico e todo partido que merece esse nome tem um projeto de poder.

Para fugir dessas acusações o PT adotou uma postura republicana até demais, como se o  poder institucional não fosse exercido por um partido. Toda discussão política nesses treze anos foi superficial e não ameaçava nunca o status quo. O governo não se mobilizou para denunciar as contradições da sociedade ou para oferecer meios reais da organização popular ter mais peso na sociedade. Sequer uma defesa mais incisiva dos direitos humanos foi empreendida, porque todas essas medidas, quando ensaiadas eram apontadas pela mídia como uma tentativa do partido se eternizar no poder e então abortadas.

Falha em disputar a esfera pública

A imprensa teve o papel tanto de arma quanto de campo de batalha na guerra prolongada. A opinião publicada pelos grandes jornais era quase toda a opinião publicada no Brasil durante esses treze anos, e sistematicamente alinhada com a direita política, assim, as opiniões e anseios que nós da esquerda temos foram sempre minoria. A soma de opiniões que circulam na sociedade é chamada esfera pública, e é impossível não ver nela a origem do golpe.

Desde a campanha eleitoral de 2002 já era claro que a imprensa seria a principal oposição, mas as alternativas nas quais investimos, a imprensa alternativa, a blogosfera, as redes sociais, nunca chegaram a ter o poder que os grandes jornais tem.

Foram treze anos acuados, em que o PT adotou a estratégia de evitar conflitos, por estar em uma posição desfavorável, sem conseguir sequer executar a estratégia leninista de fortalecer sua posição de poder a partir da conquista do estado.

Se a principal arma usada para o golpe foi a mídia, este é um campo que precisamos disputar com tenacidade. É preciso criar canais de comunicação que chegue à maioria das pessoas, e não somente a uma minoria engajada politicamente, como é nossa imprensa alternativa hoje. A construção desses canais facilita o avanço na luta ideológica, e superação de ilusões como a meritocracia. Estes são elementos subjetivos importantes para construir uma correlação de forças mais favorável aos trabalhadores.

A principal lição no entanto é o preço que pagamos ao assumir uma posição defensiva, evitando conflitos com os meios de comunicação e abandonando a consolidação do poder popular. Não podemos ter ilusões que a elite nacional vai aceitar que a ditadura da burguesia seja ameaçada por um governo democrático popular.

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