Aluga-se uma cidade

Impossível andar pelo centro expandido de Divinópolis e não ser bombardeado pelos chamativos cartazes de “aluga-se”. Muitos, vários. A cidade inteira disponível para locação. O que está acontecendo? A gente se pergunta, porque é preciso se perguntar, é preciso viver a dúvida e tentar desesperadamente entender o mundo em que vivemos, ou estamos condenados a sermos passageiros do primeiro ônibus que aparece, a não saber o itinerário ou ter controle sobre o destino. Viver, de verdade, exige o constante esforço de entender.

Pessoas não desaparecem, não sem que haja sinais mais evidentes que placas de “aluga-se”. Se não desaparecem, estão apenas mudando de lugar. As várias casas nas regiões mais centrais da cidade, agora vagas, estavam ocupadas, e se seus ocupantes não evaporaram, o que está acontecendo é um dos processos mais antigos da urbanização, a migração das massas pobres para as periferias. Olhe de novo esses cartazes e pense que em cada casa, hoje para alugar, morava uma família que teve que se mudar para um aluguel mais barato, na periferia.

Não a cidade que você sonhou, certo? Mas claro, fica pior.

Os aluguéis no centro expandido é tão caro, porque nossa cidade é cheia de vazios, cheia de lotes vagos. E a cada ano aprovam mais condomínios, garantindo que em vez de preencher os vazios históricos da cidade, tenhamos mais e mais bairros distantes. Uma cidade assim espalhada, cheia de lotes vagos, faz com que os serviços públicos sejam ainda mais frágeis do que o normal nas periferias do Brasil. É impossível que um prefeito, seja quem for, seja que partido for, consiga colocar serviços públicos perto da população da periferia, porque essa população está espalhada em bairros que são mais mato que casa. Então essa população expulsa do centro pela especulação imobiliária, está sendo afastada de serviços públicos. É a população mais carente, que mais precisa desses serviços, mas é exatamente a que menos os tem.

Com certeza não é a cidade que você sonhou. Há alguns anos o país ia bem, havia emprego para todos, os salários subiram, as pessoas saíram da periferia e ocuparam esses imóveis agora vagos no centro da cidade. Veio uma crise econômica, os salários estagnaram, o desemprego aumentou, e elas são expulsas para a periferia. Não é culpa delas, mas são elas que são prejudicadas. Isso com certeza não é um sistema justo. Um sistema justo minimiza e mitiga esses fenômenos. Um sistema justo controla a especulação imobiliária, para que o estoque de terra sem uso não prejudique a população a cada crise econômica, para que os bairros não passem décadas sem infra estrutura mínima e não tenhamos uma indústria do calçamento pior que a indústria da seca operando desde sempre na cidade.

Um sistema justo congela a abertura de bairros e a criação de condomínios, para que a cidade cresça preenchendo seus vazios, em vez de adicionando novos bairros, que vão ter os imóveis comprados por uns poucos especuladores “esperando valorizar”. Um sistema justo obriga os donos de terra devoluta a construírem, alugarem, venderem, a dar um valor social em vez de manter um número imenso de imóveis vagos, com preços altíssimos, para garantir uma escassez artificial de terra.

Cada vez que uma família se move para a periferia cria um ônus para a cidade toda, porque a prefeitura é obrigada a garantir transporte escolar, porque o programa saúde da família, CRAS, escolas, creches não podes ser implantados em um bairros com área imensa e população espalhada, porque o transporte coletivo tem que computar distâncias maiores para comunicar as partes da cidade. E a cidade paga para que alguns poucos especuladores garantam os preços sempre mais altos da terra no centro, onde um lote pode custar mais de um milhão.

Uma cidade bem pouco divina essa, em que o povo paga para o benefício de uns poucos magnatas. Mas como resolver esse problema?

Não é tão difícil quanto parece. Mas não vai acontecer, porque governo atrás de governo na cidade, o que tivemos foi um pensamento capitalista, que acha normal esse estado de exceção. Que acha normal privatizar os lucros da terra parada em alguns especuladores que possuem mais de mil lotes na cidade e socializar o prejuízo para toda a população.

A primeira medida é proibir a construção de prédios altos na cidade. Um terreno vale mais de um milhão, porque um investidor compra três, quatro, faz um prédio de trinta andares com apartamentos de luxo e vende a dois milhões cada. Mas essa conta não fecha se em vez de trinta o máximo que se possa construir forem quatro andares. Proibir prédios iria reduzir o preço dos terrenos ainda vagos no centro imediatamente.

A segunda é não aprovar novos loteamentos até que o volume de terra desocupada da cidade caia a níveis aceitáveis. Isso faria a cidade crescer para dentro, ocupando os imensos vazios em vez de para fora, pressionando as áreas verdes, nascentes, encarecendo o transporte coletivo, adicionando novas ruas para o poder público fazer manutenção, iluminação, abastecimento de água, coleta de esgoto, limpeza e policiamento. Abrir um novo bairro é dispersar ainda mais os poucos recursos do poder público, fazendo com que tenhamos um atendimento ainda mais precários à população. Um verdadeiro crime na situação atual de Divinópolis.

A terceira é implementar um IPTU progressivo que efetivamente pressione a ocupação dos terrenos devolutos, fazendo com que seja mais caro manter o terreno vazio do que construir ou vender. Para isso é preciso atualizar a planta de valores, fazendo com que o valor dos lotes vagos deixe de ser a ninharia irreal que consta hoje na base de cálculo e se aproxime de seu valor real, e se implemente o aumento progressivo do IPTU a cada ano que o imóvel fique desocupado.

Divinópolis é uma cidade que ainda cresce aceleradamente, que atrai imigrantes em busca de um lugar para construir suas vidas. Com essas três medidas seria possível garantir que que essa população que cresce a cada dia conseguisse encontrar moradia dentro da cidade, e cada vez mais em regiões povoadas o bastante para terem serviços públicos de qualidade.

Esse é o tipo de debate que deveria ser feito nas eleições, feito com toda a população, porque se há os grandes especuladores de terra, há também a classe média com um ou dois terrenos que seria afetada. Mas ele não é feito, porque Divinópolis se acostumou a fugir da dúvida e abraçar a certeza. Deixou de questionar como as coisas são, por que elas são e como podem ser mudadas, para procurar o melhor administrador do status quo.

O status quo é uma cidade disponível para locação, que nunca será do povo, que que nela mora, mas paga aluguel para seus senhorios. Uma cidade que tem dono, e não somos nós.


Artigo um, de uma série de quinze artigos chamada Divinópolis à Esquerda, que propõe uma reflexão sobre a cidade com o olhar firmemente plantado na esquerda política

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