A Política Engessada

A democracia está quebrada, e nem entendemos o problema direito. Isto é um esforço para tentar montar o quebra cabeças. Esta é uma peça.

O mundo vem se tornando um lugar tristemente sem alternativas. Há um século atrás, havia pelo menos três modelos de sociedade em disputa: socialismo e capitalismo autoritário (fascismo) e democrático. Hoje, o capitalismo democrático é considerado um caminho único, e há um engessamento das estruturas que impede de pensar fora dos estreitos limites do estado liberal burguês. Esse processo de estreitamento dos horizontes tem sido catastrófico para a política, mas não pode ser reduzido a falência dos outros sistemas. É um processo muito mais complexo e multifacetado.

A democracia presume que o povo tenha poderes, canalizados para governos através de processos eleitorais. A falta de grandes alternativas hoje é um sintoma de um processo de desempoderamento do povo, que passa a ter o poder de decidir os rumos do país apenas dentro dos limites do sistema único. Esse processo ocorre em vários níveis internos dentro dos estados, em que mais e mais poderes são retirados dos setores da administração sujeitos à soberania popular.

Quando se debate seriamente em campanhas eleitorais medidas como a autonomia do banco central, como ocorre no Brasil, e há uma clara pressão da mídia a favor disto, o que está claro é que a política econômica não deve ser política, mas “técnica”, e portanto não democrática. Uma análise rápida do estado brasileiro mostra claramente a extensão da não-democracia. Agências reguladoras, como Anatel, ANP, Anvisa e outras definem políticas como as condições de oferta de telecomunicações, as regras de produção e distribuição de petróleo e derivados e quais substâncias psicotrópicas podem ser produzidas e comercializadas. E embora estes órgãos definam políticas, estão às margem do processo democrático. Todas as atribuições das agências poderiam ser realizadas pelos ministérios, mas escolhemos terceirizar o estado.

Essa terceirização cria a aberração de uma democracia onde cada vez mais decisões cruciais não são tomadas pelas pessoas que elegemos. O poder de liberar a maconha não é do presidente ou do congresso, mas da Anvisa, que edita a lista de substâncias proibidas. Gostaria de votar para presidente da Anvisa, mas não é possível. Ao menos, no caso da Anvisa, esse presidente é indicado pelo presidente da república. Agências como a Anatel tem presidentes escolhidos com participação das prórpias empresas de telecomunicaçõs que ela deveria fiscalizar.

Mas esse artigo não é sobre a Anvisa ou a Anatel. É sobre como “as instituições”, que devem ser preservadas, são a preservação do Estado Burguês e como nossa democracia neoliberal é basicamente uma democracia em que os pontos centrais do sistema não estão abertos à soberania popular.

Por isso é difícil achar qualquer proposta revolucionária hoje em dia, porque a revolução é a radicalização do poder da política, é a proposta de submeter toda a ordem vigente a uma força política que pretende remodelar a realidade. Na democracia neoliberal, no atual estado burguês, a política está engessada e pode cuidar apenas das questões menores.

Isso é garantido por limites nacionais e internacionais. As regras da OMC colocam claros limites ao que um país pode fazer. As regras do mercado de capitais internacional também.

Essa situação nos leva a questionar qual a utilidade da democracia, se a possibilidade de escolha é assim limitada. Temos efetivamente uma ditadura da burguesia, em que podemos escolher apenas entre a política neoliberal 1 e a política neoliberal 2. E, com certeza, o povo percebe isso, e isso está por trás de cada comentário de “político é tudo igual”.

Se “é tudo igual”, “tanto faz”, e as pessoas não conseguem ver qualquer importância na participação democrática. Esse desengajamento faz a democracia quebrar.

Consertar a democracia exige que recuperemos o poder da política, a sensação de que as coisas podem realmente mudar através dela. Se a democracia serve apenas para escolher se é uma bota ou um sapato social que pisa no nosso rosto, por que se importar?

Mas recuperar o poder da política é exatamente negar o culto às “instituições”. É admitir que o estado é, precisa ser flexível, se dobrando às vontades populares e seus eleitos. Considerando que vivemos sob o governo Bolsonaro, com certeza já entendeu qual o risco de um estado flexível, e qual o benefício de instituições que não mudam.

Mas considerando que Bolsonaro foi eleito exatamente com a promessa de “mudar tudo que tá aí”, também pode entender quanto ressentimento há contra essa falta de poder da política, que limita nossa liberdade de escolher o futuro através do voto.

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