Curiosamente, o debate entre reforma e revolução é um debate importante no Brasil, onde alguns grupos comunistas rejeitam a luta eleitoral argumentando sobre a sua incapacidade de produzir transformações profundas do sistema econômico, enquanto outros grupos apontam a impossibilidade de acumulação de forças para uma revolução clássica em uma sociedade altamente ocidentalizada. Como todos os problemas que precisam de uma solução dialética, ambos os lados estão certos, mas também errados.
Antes de continuar é importante definir alguns termos para reduzir os mal entendidos. Socialistas e comunistas entendem ser preciso superar o capitalismo, e a diferença entre abordagens revolucionária ou reformista diz respeito somente aos meios de alcançar o socialismo. Este texto não é sobre social-democratas, também chamados de reformistas, que entendem que não é preciso superar o capitalismo, mas somente o controlar e regular, via políticas sociais.
O argumento a favor da luta eleitoral e da participação no estado tem várias origens e antecedentes, mas hoje em dia uma toma normalmente a forma do da necessidade de combater a hegemonia ideológica do capitalismo, no sentido gramsciano, para criar condições subjetivas para a revolução. Para Gramsci, as sociedades ocidentais estariam muito presas à ideologia capitalista para aceitar uma revolução como legítima, e essa posição é normalmente considerada verdadeira, inclusive por quem defende a luta revolucionária. O debate gira em torno de quais seriam as melhores estratégias de realizar a luta ideológica contra hegemônica: revolucionários defendendo organizações de base e ação política, mas não eleitoral, e reformistas defendem o uso das eleições e a administração do estado.
Porém, assim como Gramsci faz suas reflexões à luz da derrota dos comunistas italianos, temos elementos o bastante para refletir à luz das experiências e limites de reformas em vários países do mundo. Vamos usar os casos de Bolívia, Brasil, Venezuela, e Nicarágua para refletir sobre o tema. Todos esses países foram membros da chamada “onda rosa” da América Latina, em que governos de esquerda conseguiram acesso aos governos centrais de vários países, implantando políticas sociais e mudando profundamente os países. E todos eles enfrentaram grandes crises políticas que tentaram pôr fim a estes governos, com sucesso, nos casos do Brasil e Bolívia.
Ou seja, os revolucionários estão mais que certos quando apontam que existe um limite claro e violento para a estratégia reformista. As forças reacionárias de oposição a estes governos de esquerda promoveram o golpe policial-miliar na Bolívia, o golpe parlamentar no Brasil, a agitação e tentativas de sabotagem do governo na Venezuela e a tentava de revolução colorida na Nicarágua.
Este texto, propositalmente, não discute se as experiências venezuelana e nicaraguense são, de fato socialistas, ou se suas lideranças agiram bem ou mal. O objetivo é discutir somente as estratégias de resistência às reações conservadoras.
Na Bolívia e no Brasil, após os golpes, os governos reacionários foram derrotados eleitoralmente, com a vitória de Lula e Acre, em um desenvolvimento alinhado com os princípios da democracia liberal e que, até certo ponto, restaurou a situação anterior de um governo reformista à espera de uma nova investida reacionária. Na Venezuela e Nicarágua, por outro lado, tivemos governos que resistiram às intentonas reacionárias e consolidaram seu poder, sendo por isso considerados ditaduras pela comunidade internacional e sofrendo vários tipos de sanções.
Essa consolidação do poder foi usada pelos governos para implantar reformas mais profundas, como a diversificação da economia venezuelana, tentada por décadas no seu período “democrático”, sempre sem sucesso, ou o uso de fundos públicos e estatais para nacionalizar e estatizar setores estratégicos da economia na Nicarágua, o que é denunciado como “corrupção”.
A grande questão que se coloca é: o que diferencia Venezuela e Nicarágua e Brasil e Bolívia? Qual elemento estrutural explica o governo extremamente popular do MAS ser vítima de um golpe e o governo da Nicarágua, criticado até por partes significativas da esquerda internacional, se sustentar?
“Poder político cresce do cano de uma arma” – Mao Zedong
Nas crises, o movimento bolivariano se sustenta no exército, a FSLN na Polícia Nacional, criada durante o período sandinista, em contraponto ao exército. O Estado é o órgão que possui o monopólio da violência legítima e seus braços armados podem se mobilizar para derrubar governos, como ocorreu na Bolívia, com o golpe policial/militar ou no Brasil, com a Polícia Federal sabotando o governo através da Lava Jato e o exército impedindo a atuação política de Lula para impedir o golpe. Ou podem apoiar estado de golpes mobilizadas a partir da sociedade civil.
O problema da social-democracia é ilusão de que vivemos em uma democracia, e não em uma ditadura da burguesia, que só tolera a democracia se for ela a ganhar. Isso abre um flanco de ataque impossível de fechar, porque diante de taxas de lucro decrescentes, a burguesia sempre vai apelar à violência.
Isso quer dizer que socialistas e comunistas podem defender e implementar reformas como parte de uma estratégia revolucionária, desde que tenham consciência de que estão jogando no campo adversário, e desenvolvam políticas para garantir que o monopólio da força não seja usado contra o próprio governo. Não é possível esquecer que o estado burguês e a democracia burguesa são instrumentos de poder da burguesia, que ela vai acionar para garantir seus interesses.
Neutralizar o caráter de classe dos aparatos de força do estado, e/ou construir aparatos de força autônomos dos trabalhadores é parte essencial de qualquer estratégia socialista que inclua a reforma entre suas táticas.